quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A FESTA ACABOU



Já gostei pelo Título, já gostei pela surpresa, e mais ainda porque os textos são bem humorados. Não deu tempo de ler ainda mas já ADOREI este texto que transcrevo aqui:
O LIVRO ELETRÔNICO
"Sobre esta nova moda ou onda de transformar o livro gráfico em livro eletrônico, que está empolgando alguns intelectuais, contrariando outros, decepcionando uns tantos que a experimentaram, eu gostaria de dar a minha modesta opinião. A leitura pra mim sempre foi um ato que proporciona satisfação física e intelectual. Aliás, Lin Yutang dizia que, na civilização chinesa, era impossível distinguir o físico do espiritual. É assim que, além da mensagem intelectual e sensitiva que todo livro traz, me apraz o bom gosto da capa, o papel, o formato e o tamanho do tipo e as orelhas, que sempre revelam minudências íntimas da vida do autor. Este prazer é transportado também para a elaboração do próprio livro: a escolha do título, da capa, do papel e da ilustração. Por tudo isso é comum agente ouvir dizer de um leitor que está apaixonado ou se sente influenciado por um livro. A civilização moderna, com sua mania de automação, está castrando todos nós, eliminando sensações humanas e prazeres que tornariam a vida mais suportável, uma vez que a felicidade é uma verdadeira utopia. Já inventaram um processo de se conceber um filho sem que haja necessidade da relação sexual e também de alimentar-se sem ingerir alimentos, através de pílulas polivitamínicas. Agora inventaram o processo de escrever sem que seja necessário o exame do texto e nem o uso da inteligência. De sorte que a civilização moderna está transformando o homem num animal inapetente, impotente e irracional. Não sei se a idéia logrará êxito. A própria editora admite que a iniciativa é apenas experimental. Depende da reação dos leitores. Qualquer que seja o resultado dessa experiência, desde já me recuso a aderir a essa espécie de livro. Estou escrevendo essa crônica, como sempre na minha biblioteca. Pego um volume de cor marrom, Angústia, de Graciliano Ramos, abraço-o fraternalmente. É uma edição de 1955, da editora Martins. Olhamo-nos com aquela solidariedade de amigos que sabem que nunca vão se separar. Ao lado dele está o volume Contos de meu contista preferido, o russo Anton Tchecov, edição de 1960, capa cinza. Cada livro desses tem vida, tem história. Eles sempre foram meus mestres, meus conselheiros, meus confidentes, meus amigos fraternos dos momentos difíceis. Aquele livro de capa amarela, meio dilacerada, cheio de nódoas, é O homem acabado, de Giovanni Papini, e as manchas foram provocadas por uma enchente que atingiu minha antiga casa. Ambos nos salvamos e isso solidificou ainda mais a nossa amizade. Aquele volume de capa azul é Meus poemas preferidos, de Manuel Bandeira. Ele foi meu companheiro por ocasião da morte do meu pai, consolando-me e convencendo-me, com sua experiência e sabedoria, que meu pai apenas dormia profundamente e num futuro não muito distante se encontraria novamente comigo. O livro de capa verde, embora velho, é um excelente mestre de redação e foi quem me orientou, ensinando-me a elaborar um texto, quando me iniciei no Jornalismo. Não fosse ele, eu teria desistido devido às dificuldades inerentes a todo início de carreira. Como vocês podem ver, eles envelheceram comigo e temos toda uma existência juntos. Não se esquece assim tão facilmente de uma longa convivência feliz. Tampouco vou me abster do meu costumeiro ato de leitura, na cadeira da sala ou no meu leito confortável, com o volume entre as mãos, sentindo a temperatura morna do papel nos dedos, a simbologia da capa e a sutileza das idéias. Não vou. Não sou uma máquina. Sou um ser humano. Tenho emoções, tenho sentimentos, tenho sensibilidades; tenho recordações tenho princípios. Enquanto eu viver, não me separarei de meus livros. Enquanto houver aquela cadeira na sala ou a minha cama no quarto, é lá que vou continuar lendo, exatamente como faço há mais de trinta anos e como vinha fazendo a humanidade há quase cinco séculos."
Gilberto Caldas

CRIATURA achou que este texto é na verdade uma declaração de amor! LUXO PURO.

Nenhum comentário: